terça-feira, 29 de janeiro de 2008

As meretrizes de Diderot

'Faça sol ou faça chuva, tenho o costume de passear, lá pelas cinco da tarde, no Palais-Royal. Posso ser visto, sempre sozinho, a divagar no banco de Argenson. Entretenho-me comigo mesmo, conversando sobre política, amor, gosto ou filosofia. Abandono meu espírito a toda sua libertinagem, deixo-o livre para seguir a primeira idéia sábia ou tola que lhe ocorra, tal como pode se ver, na aléia de Foy, nossos jovens dissolutos a seguir os passos de uma cortesã de aspecto volúvel, rosto soridente, olhar vivaz e nariz arrebitado; deixo uma pela outra, assediando a todas e a nenhuma me atracando. Meus pensamentos são minhas meretrizes.'

Denis Diderot, O Sobrinho de Rameau.


O trecho acima é a famosa metáfora das meretrizes do enciclopedista francês Denis Diderot e pode ser encontrado no livro O sobrinho de Rameau. É uma passagem muito interessante e que permite uma maior explanação para vários temas.

Apesar do intervalo de quase três séculos que me separa de Diderot, é engraçado ver como eu me utilizo dos mesmos métodos que o iluminista francês... Novesfora o fato de que ele caminhava pela Paris do séc. XVIII e eu na Brasília do século XXI, nós dois sentimos necessidade de caminhar sem rumo, sem destino definido e sem tema pré-estabelecido. Normalmente buscando solucionar algum problema, alguma desilução amorosa, alguma derrota futebolística, me ponho a andar pela minha cidade que se apresenta ímpar a cada monumento. A cidade me acolhe. Me mostra os caminhos. Me propõe solução e também me apresenta novos problemas, por quê não? E é curioso perceber que mesmo sem resolver os problemas, nos tornamos mais aptos a enfrentá-los. Diderot sabia disso. Vinícius de Moraes ao passar suas tardes em Itapuã, ao sol que arde em Itapuã, falando de amor em Itapuã também descobriu o poder do ócio filosófico.

Cada pessoa tem seu ponto de equilíbrio mental. O meu pode ser caminhar pela cidade. O seu pode ser passar dias no bar da esquina. O dele pode ser pintar. O dela pode ser brincar com os filhos. O importante é ter um tempo para pensar sobre qualquer idéia tola ou sábia que lhe venha a mente. Pode ser sobre o amor, a política, a família, o síndico do prédio, o vizinho do lado... não importa, afinal, nossos pensamentos são nossas meretrizes.

Abraços e bom carnaval!

4 comentários:

Unknown disse...

Olá Eduardo, adorei o trecho em que você se referiu a "alguma derrota futebolística", embora seu time tenha obtido uma vitória ímpar no domingo.

Gostei muito de seu texto, uma vez que ele me abriu os olhos para fazer algo inovador. Em breve saberás o que é.

Beijos e Queijos,
Paula

Merlim Coppe disse...

agora ta lendo diderot!
que bonitinho

recomendo russeau e nietsche

Anônimo disse...

"Enquanto eu pensava naquela gente, iam-me pernas levando, ruas abaixo, de modo que insensivelmente me achei à porta do Hotel Pharous. De costume jantava aí; mas, não tendo deliberadamente andado, nenhum merecimento da ação me cabe, e sim às pernas que a fizeram. Abençoadas pernas! E há quem vos trate com desdém ou indiferença. Eu mesmo, até então, tinha-vos em má conta, zangava-me quando vos fatigáveis, quando não podíeis ir além de certo ponto, e me deixáveis com o desejo a avoaçar, à semelhança de galinha atada pelos pés.

Aquele caso, porém, foi um raio de luz. Sim, pernas amigas, vós deixastes à minha cabeça o trabalho de pensar em Virgília, e dissestes uma à outra: Ele precisa comer, são horas de jantar, vamos levá-lo ao Pharous; dividamos a consciência dele, uma parte fique lá com a dama, tomemos nós a outra, para que ele vá direito, não: abalroe as gentes e as carroças, tire o chapéu aos conhecidos, e finalmente chegue são e salvo ao hotel. E cumpristes à risca o vosso propósito, amáveis pernas, o que me obriga a imortalizar-vos nesta página."

(Brás Cubas, em suas Memórias Póstumas)

Anônimo disse...

lembre-se, afinal "para filosofar é necessário filosofar, e para não filosofar, também é necessário filosofar".